Há uns tempos li um artigo que versava sobre um dos mais controversos sentimentos: a inveja. O raciocínio apresentado tinha, a meu ver, toda a lógica e rezava mais ou menos assim: a inveja é o resultado de uma avaliação que fazemos intuitivamente ao nosso próprio desempenho por relação ao desempenho daqueles que partiram de iguais circunstâncias. Eis porque não sentimos inveja do Michael Jackson ou da Madonna. Por norma, apenas sentimos inveja daqueles que nos são próximos - eles funcionam para nós como um reflexo de nós mesmos. Se, tendo partindo de circunstâncias semelhantes, os nossos pares atingiram um patamar de sucesso superior ao nosso, isso signfica o nosso fracasso. Daí o sentimento de inveja, que é no fundo uma manifestação de desagrado do nosso ego para consigo mesmo.
Ora, esta explicação, se bem que lógica, deixa-me desconfortável. Pois se a inveja apenas faz sentido entre pares, o ideal de amizade incondicional fica assombrado.
Há alturas em que pior do que não ter alternativas, é ter imensas alternativas, todas com peso equivalente na balança dos prós e contras. E nessas alturas, decidir não é mais do que arriscar .... um tiro no escuro, portanto.
Às vezes tenho a nítida sensação de que na minha pacata aldeia não falamos todos a mesma língua.
O meu namorado, que é de longe e não está habituado aos linguajares rurais, pouco certeiros na gramática, já me tinha chamado à razão. E de facto, eu já tinha reparado que os anciãos da aldeia tinham, por vezes, uma prosa que me era pouco familiar. Cheguei mesmo a envolver-me em equívocos semânticos à custa dessa disparidade.
Ontem voltou a acontecer.
Estava no minimercado de volta dos iogurtes. Os que me estavam mais próximos tinham um prazo de validade já reduzido, por isso estiquei-me tanto quanto a vertebra permitiu para agarrar os do fundo, escondidos a preceito. Só me dei conta de que estava a ser observada quando ouço alguém ao meu lado:
«Esta mexe tudo e não ganha barbos. Já é de família».
Volto-me, pronta a disparar. Mas os bigodes já grisalhos da senhora impuseram respeito. E o seu sorriso desdentado, apesar de feio, era amistoso. Contive por isso a resposta que me assomou à língua.
«Diga...?»
«Digo eu que tu comes de tudo e nem por isso engordas. Mas isso já a tua mãe era assim. É ou não é verdade o que digo?»
Por força das obrigações académicas, regressei ontem à companhia de Walter Benjamin, a propósito d'«A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica». Da primeira vez que o fiz, achei-o um pouco maçador. Mas desta vez, soube-me bem sentir a capacidade prospectiva com que o homem analisava as mutações tecnológicas em curso.
O cinema estava então a dar os primeiros passos e era percepcionado com um meio que revolucionaria o pensamento e a arte. Até aí tudo bem. Mas não pude conter uma gargalhada ao ler esta: «(...) o cinema representaria um meio de expressão absolutamente incomparável e, na sua atmosfera, só poderiam mover-se pessoas de sentimento muito nobre, em momentos de total perfeição e mistério do trajecto da sua vida».
À luz do actual panorama cinematográfico, só me ocorre dizer: LOL
São as XAILE. Um grupo português que surpreende pelo ritmo, qualidade e multiplicidade de origens. Vibrante! Ao vê-las e ouvi-las sinto-me remontar a uma vida passada. E nesses flashs de reminiscências turvas, sinto que já fui uma nómada. E eu não sou de acreditar nessas coisas....
Ultimamente ando muito centrada em mim, imersa nos meus conflitos internos, quase alheia ao que se passa à minha volta.
Hoje deu-me para pensar em coisas sérias.
Por vezes ouço, em jeito de desabafo, alguns ilustres doutores da minha academia lamentarem não poderem dedicar-se integralmente à investigação por via do exercício da docência.
Assim, em abstracto, faz sentido. E mais, sem cairmos na tendência de nos fundarmos em estereótipos, podemos até admitir que o perfil do bom investigador pode até nem ser compatível com as exigências pedagógicas do ensino. Não é forçoso que assim seja, mas pode acontecer.
Mas, raios me partam… agora também se fazem teses por tudo e por nada. Começa-me a parecer que a investigação é o destino daqueles que ainda não descobriram vocação.
A psicologia humana é impressionante. Julgámo-nos autónomos, senhores de nós próprios, até que um dia, sem aviso prévio, chega alguém que muda tudo. E pertinazes, cegos de orgulho, negámos isso. E mesmo sem o reconhecermos, já mudámos as nossas rotinas, a nossa postura. Olhamos vezes infinitas o visor do telemóvel, a pretexto de ver as horas. Mas as horas têm agora uma duração diferente....... E já cansados de esperar a mensagem que tarda, tornámo-nos irascíveis. Até que o sinal chega. E se a justificação nos parece plausível, ainda que não seja, voltamos ao estado de graça e sorrimos em delírio.... sem causa aparente. E dizemos pra nós baixinho: "A vida é bela".
música: Wonderful Tonight - Michael Bublé (duet with Ivan Lins)
- empregado que queira abandonar o local de trabalho no final do expediente; - empregado que manifeste resistência à realização de horas extras; - empregado que esteja sempre ansioso por ir de férias; - empregado que queira ir de fim-de-semana;
Acho que na Googlelândia estão a precisar de um bom técnico de Recursos Humanos....
Sea Organ of Zadar São degraus cravados nas rochas que têm no seu interior um sistema de tubulações que, quando empurradas pelos movimentos do mar, forçam o ar e, dependendo do tamanho e velocidade da onda, criam melodias.
Onde a imaginação do homem e as potencialidades da natureza se abraçam. O encontro perfeito.
"Nunca a alheia vontade, inda que grata, Cumpras por própria. Manda no que fazes, Nem de ti mesmo servo. Niguém te dá quem és. Nada te mude. Teu íntimo destino involuntário Cumpre alto. Sê teu filho."
Acho que estou a precisar de reler Kant. Ver se reencontro o fundamento da moralidade.
(...)
Cá está.
"O imperativo categórico, é portanto, só um único, que é este: «Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo quere que ela se torne lei universal»"
(Kant, E., (1875), Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Porto Editora (1995), p. 59)
Vou arranjar um bloco de notas e escrever a máxima até a consciência acusar alguma moralidade.
Não tenho muitas recordações da infância. Ou, por outra, tenho as minhas recordações, mas não sou aquele tipo de pessoa que vive voltada para o passado, a ruminar recordações. Mas hoje tive um agradável encontro com o meu passado. Assim, por acaso, como sempre são "aqueles" momentos. Vi, já ferrugenta, e mal estacionada, numa rua esquecida (ou ignorada... convenientemente ignorada) uma daquelas furgonetas cor de tijolo que, mensalmente, abasteciam os sonhos da garotada com variedade q.b. de literatura infantil. Sim, as Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian - nome dificil de soletrar na altura.
Lembro-me como se fosse hoje: escrevia num papelinho, arrancado da margem da derradeira página do caderno escolar, o dia em que a camioneta nos visitava e que a professora, no seu desvelo quase maternal, nos antecipava, na esperança de não deixar esmorecer o ânimo. A hora, essa, era sempre a mesma: 16h. Um dia levei para casa um livro da Heidi: "Heidi nos Alpes", acho. Era de capa dura e tinha umas ilustrações muito coloridas. No dia anterior à entrega descobri, desgostosa, revoltada e angustiada, que a minha irmã, mais velha, mas nem por isso mais consciente, havia recortado as gravuras e feito colagens curiosas na capa preta d seu caderno A4. Eu, que na altura ainda usava caderno A5 e tinha uma certa inveja do diferencial, não gostei do bricolage. Vá, não foi tudo inveja. Fiquei realmente aflita. Afinal, eu é que ia dar a cara pelo livro, agora mais pobre, sem a totalidade colorida das suas ilustrações. Fiz queixa ao pai. Ele barafustou com a prevaricadora, que fez "orelhas moucas".
Chegou o dia da entrega do livro. Esperei que ninguém desse por nada. Se repararm ou não, não sei. Ninguém me disse nada.
Uma excelente ideia. Simples e funcional. Um motor de pesquisa com fundo preto, para não ferir a vista devido à luminosidade e, ao mesmo tempo, reduzir o consumo de energia.
Sabem o tradicional jogo do Monopólio? Compras, vendas, aquisições...em suma, estratégia, instinto de sobrevivência em ambiente pós-industrial. Acho que as relações humanas são tal e qual: nelas procuramos sobretudo profit , lucro, vantagem. De um modo ou de outro, procuramos manter e/ ou criar relações com aqueles que, de alguma forma, nos oferecem algo: companhia, afecto, estatuto, conhecimento, segurança, prestígio, alegria, auto-estima...
Dava jeito um curso de Marketing ou Gestão orientado para os afectos.
Dei por mim a desejar o que os cânones da moralidade condenam.
Consciência traidora.
Não posso ceder, bem sei, “valores mais altos se levantam”.
Mas que raio... O “pecado” que desponta em nós sem aviso ou autorização é, afinal, o cristalizar da nossa natureza. E sacrificar os nossos instintos, não é isso anti-ético, contra-natura? Porventura, a falta mais gravosa que podemos cometer, porque é uma violência que arremetemos contra nós mesmos.
Quanto a mim, a auto-contenção, é um paradoxo. E muito chato.